quinta-feira, 29 de setembro de 2016



rain

Gosto de períodos de transição. Dos tempos entre as estações. Da incerteza do que está por vir, das possibilidades.
Gosto do sol baixo de setembro, dos dias mais curtos, da cor da cidade. De voltar a puxar um cobertor para mim, de me senti aquecida.
Gosto da esperança que renasce a cada dia mais curto, de que coisas boas poderão estar para vir. E eu espero que venham. E eu sei que vêm...

Chamam-me maluca, mas às vezes tenho bizarrias

Vou no carro a ouvir rádio. Passa a nova música do Enrique Iglesias (Se tu te vas, yo também me voy...lalalala, uma coisa assim) e assola-me sempre à cabeça a mesma cena hilariante e não me perguntem porquê, mas é só o que eu imagino e as coisas que nos sobem à cabeça é deixa-las subir.
Então, imagino sempre esta música a ser dançada por um conjunto de amigas divorciadas que, após alguns anos de casamento (estas casaram novas e portanto ainda são relativamente novas após o divórcio) descobriram a felicidade da solteirice. Elas é cabeleireiro, maquilhagem, saltos anos que guardaram debaixo  da cama, prontas para uma noitada de copos e danças latinas no Havana ou noutro qualquer do género. Elas é felicidade e corações com as mãos para as fotos de grupo, com a legenda do 'Agora eu vou ser feliz, graças a deus livrei-me daquilo'. Os saltos altos e a maquilhagem dão-lhes a força toda de saber que o mercado agora é todo delas, que é só escolher, que homens há muitos, mas elas só não investiam nisso porque eram casadas! É toda uma nova energia para o luto que aí vem, mas o céu é o limite e mais nada importa porque a vida começa é agora, depois dos 40, quando estão mesmo boas. 
Entretanto passa a música e elas dançam em circulo, abanando as ancas ao som do refrão, com um pé que se desloca para a frente e para trás, num misto de samba e rebola, mas cheias de fé. Os homens todos parecem super interessantes, os flirts depois de três gins são festas no ego - afinal continuo um espéctaculo - sacam mais meia dúzia de selfies para as redes sociais testemunharem como o divórcio lhes fez bem. Assim que o refrão repete, elas, em círculo cantam em coro (yo também me voyyyyyyyy) e rendem-se à profundidade desta música e desta sonoridade que lhes restituiu a felicidade efémera após divórcio. 
Chegam a casa. tiram a maquilhagem, descalçam os sapatos, consultam o telemóvel uma vez mais e não está lá nada. O luto vai fazer-se nos intervalos, mas elas ainda não sabem disso. É chamar de novo o Enrique à baila...

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Dúvidas existenciais

No meu tempo, aquele em que proliferaram as Anas, Saras, Patrícias, Cátias e ainda os Joões, Ricardos e Pedros, nós sabíamos que uma Constança, Mariana (ou Maria Ana), Matilde ou Madalena, eram nomes acompanhados de três sobrenomes, cujos papás tratavam os progenitores por você, levando-os ao colégio privado, num carro de gabarito e despedindo-se com um beijinho.

Hoje não sei como se vão distinguir as Madalenas, Matildes e Bernardos desta vida, quando os agregamos aos Silva, Sousa ou Lopes. Onde residem uns e outros se não lhes acrescentarmos os apelidos?


quarta-feira, 14 de setembro de 2016

De como eu gosto dos meus ovos

Mesmo que vivesse 500 anos, não seriam suficientes para perceber a descaracterização que vejo em algumas pessoas quando, com o passar do tempo, se tornam iguais aos seus parceiros. 
São no fundo as Julia Roberts* da vida real, que gostam dos ovos por osmose dos gostos do parceiro. Mexidos, escalfados, estrelados ou cozidos, só se eles também gostarem. E sobretudo, porque eles gostam. 
Nunca entendi se esta assunção de gostos de dá realmente por osmose, por falta de memória, ou apenas porque é mais fácil concordar. Nunca entendi que alguém se perca de tal ordem (ou nunca se havia encontrado?) que não se lhe veja nenhum interesse por coisa alguma. Como se chega ao fim do dia sem saber se aquela música que gostamos é porque realmente gostamos ou porque nos habituamos a gostar? Se aquele hobbie que tanto prazer nos dava, nos passou a cansar ou deixou de fazer sentido porque ao outro também não fazia sentido?
No final do dia quem passámos a ser? Quem sempre  fomos? Quem deixámos para trás?


* (Noiva em Fuga)

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

De como os livros me salvam dos demónios

 
http://weheartit.com/entry/257579402


Este verão li compulsivamente. Entrei em cada um dos livros que li e acontece que quase me sinto numa meditação, sem o ser. 

A minha última aquisição é de uma escritora italiana, Elena Ferrante, que me assoberbou completamente para dentro de uma escrita despretensiosa e ainda assim tão real e tão simples. Nunca, em obra alguma revi tão densamente o poder e contornos de uma amizade que se concebe fora dos clichés. Do 'estarei para o que precisares', ' conta sempre comigo', 'gosto muito de ti'. Pelo contrário, faz-nos pensar nos lados mais sombrios e mais bonitos de que uma amizade é feita, para lá do encantamento das coisas boas de duas pessoas. Alicerça-se, antes de mais e para além de tudo, na admiração e competição de dois horizontes tão distantes entre si, que, sem se tocarem, não passam um sem o outro. 

Leio este livro e penso no sentido das minha amizades ao longo da vida. Felizmente soube escolher bem. Consigo conciliar nos meus amigos aquilo que me traz equilíbrio e paz todos os dias, sem esperar deles mais do que aquilo que cada um consegue dar. Lembro-me de ter lido uma vez, algures, que não podemos esperar todas as qualidades que apreciamos em todos os amigos. Acho que foi por isto que abandonei há muito tempo o conceito de melhor amigo. Aquele ser único. Consigo ver coisas boas em todos os meus amigos, mas não tudo aquilo que aprecio num único entre eles. E isso libertou-me de certa forma. 

Este livro trouxe-me isso à memória e à consideração. Enquanto penso nestas coisas, não penso noutras.